[vc_row][vc_column width=”5/6″][vc_column_text]Hemoglobinopatias como as anemias constituem hoje a mais difundida doença monogênica recessiva do mundo, sendo também uma das doenças que mais acarreta em custos de saúde ao redor do mundo. Apesar de algumas anemias serem causadas por problemas nutricionais, há também aquelas cuja causa é genética, como as talassemias, também conhecidas como anemia do Mediterrâneo devido à sua alta ocorrência entre populações oriundas desta região.
A Anemia do Mediterrâneo – causas, formas e sintomas
A talassemia é uma doença hereditária que afeta diretamente o sangue do portador, sendo causada por alterações nos genes HBA e HBB, responsáveis pela síntese das subunidades alfa e beta, respectivamente, da hemoglobina (proteína que dá cor ao sangue e transporta oxigênio). Em portadores da doença, as hemácias (glóbulos vermelhos) adquirem forma de “meia-lua” ou “foice” após o oxigênio ser liberado. Tais células deformadas tornam-se rígidas, podendo até formar grupos que aderem às camadas celulares internas dos vasos sanguíneos (endotélio), dificultando a circulação do sangue.
De acordo com o gene afetado (HBA ou HBB), a talassemia pode ser denominada alfa-talassemia ou beta-talassemia. Além disso, há diferentes graus em que a doença pode se manifestar: a forma menor (traço talassêmico) é um grau de anemia leve e assintomático, e pode passar despercebido; na forma intermediária, há deficiência da síntese de hemoglobina e, embora sintomática, não acarreta consequências tão graves.
Por fim, a forma maior (anemia de Cooley) é a forma mais grave da doença, causada por uma transmissão de dois genes defeituosos (um do pai e outro da mãe), o que faz com que os sintomas se manifestem com grande intensidade.
No geral, os primeiros sintomas surgem durante a segunda metade do primeiro ano de vida de uma criança. Os mais comuns são: cansaço, fraqueza, atraso no crescimento, esplenomegalia (aumento anormal do tamanho do baço), ossos com alterações, irritabilidade, deficiência no sistema imune, respiração curta, palidez, pouco apetite, coloração amarelada da pele e olhos (icterícia), dor nos ossos, entre outros, de acordo com o grau de anemia.
Talassemia, malária e a região do Mediterrâneo
Atualmente, com o avanço da medicina, indivíduos portadores de doenças hemolíticas como a talassemia possuem expectativa de vida semelhante à de indivíduos 100% saudáveis. Porém, esse cenário é bem recente, e na maior parte da história da humanidade as condições de vida eram muito inferiores às de hoje, especialmente para portadores de doenças crônicas. Neste contexto, surge a pergunta: como uma doença hemolítica crônica hereditária recessiva conseguiu “sobreviver” através das gerações até o dia de hoje? Como é possível que, nas condições extremamente adversas do Neolítico e da Antiguidade, todos os indivíduos talassêmicos não tivessem morrido antes de atingir a idade reprodutiva?
A resposta pode ter relação com uma outra doença que afeta as hemácias: a malária.
A malária é uma doença transmitida por mosquitos do gênero Anopheles e que possui como patógeno o protozoário Plasmodium spp. Indivíduos portadores de talassemia possuem uma proteção natural contra a doença, pois devido ao formato incomum de suas hemácias, é impossível que o Plasmodium as invada, o que inviabiliza o ciclo da doença.
Esta tem sido uma das hipóteses estudadas por pesquisadores como responsável pela existência nos dias atuais de indivíduos talassêmicos, que herdaram as mutações causadoras da doença geração após geração desde a pré-história. Estima-se que, à medida que populações humanas começaram a habitar regiões onde mosquitos vetores da malária eram endêmicos, a proteção exercida pela talassemia tenha atuado como um fator de seleção natural de indivíduos resistentes à doença – o que é possível, já que, apesar de complicado, é possível sobreviver e se reproduzir sendo portador de talassemia, à medida que a malária é uma doença de alta mortalidade, especialmente na infância.
Alguns pesquisadores, porém, apontam que a talassemia pode ter surgido e se difundido em outras regiões do mundo mesmo antes da ocupação destas regiões, o que se deu por volta de 5.000 A.C. Outros fatores que podem ter contribuído para a disseminação da talassemia são: consanguinidade (prática de casamento entre parentes próximos), elevação do status nutricional (o que permite maior sobrevida à população geral, inclusive aos portadores da doença, que possuem mais chances de transmitir os genes às gerações futuras) e melhor prevenção de doenças infecciosas (lembrando que um dos sintomas da talassemia é o enfraquecimento do sistema imune).
Prevenção e tratamentos para talassemia
O tratamento da talassemia é por toda a vida do indivíduo, com transfusões sanguíneas em média a cada três ou quatro semanas.
Como as transfusões frequentes fazem com que a pessoa acumule ferro no organismo, também inclui-se o uso de medicamentos para extrair este excesso no corpo, pois pode provocar danos irreversíveis em órgãos e tecidos. Uma forma de tratamento alternativo para a talassemia maior é o transplante de medula óssea, mas requer uma série de cuidados para ser bem-sucedido.
A talassemia menor não necessita de tratamento, a não ser durante a gravidez ou em caso de associação com qualquer outra doença no sangue.
Não há medida preventiva contra mutações genéticas, por isso, o diagnóstico precoce continua sendo um grande instrumento para proteger o portador e prolongar sua expectativa de vida, fazendo o transplante ou não.
Referências
ASH Clinical News. Malaria and Thalassemia in the Mediterranean Basin. Disponível em: https://www.ashclinicalnews.org/features/blood-beyond-borders-malaria-thalassemia-mediterranean-basin/ . Acesso em 06/2019.
DE SANCTIS, V., et al. β-Thalassemia Distribution in the Old World: an Ancient Disease Seen from a Historical Standpoint. Mediterr J Hematol Infect Dis. 2017; 9(1): e2017018.
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